Jean Jules Louis Cavaillès (1901-1977), Fenêtre à Honfleur. 1935
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
À janela de Ruy Belo: "a luz chega-me humildemente pela janela"
Toda a Terra
Tu estás aqui Estás aqui comigo à sombra do sol escrevo e oiço certos ruídos domésticos e a luz chega-me humildemente pela janela e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama que uso para ser também isto este bicho de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço bem entendido o que faço com este braço Estás aqui comigo e à volta são as paredes e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro nome embora no mesmo nome este nome de terra de dor de paredes este nome doméstico Afinal fui isto nada mais do que isto as outras coisas que fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das outras coisas Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa uma coisa para além disto que não isto Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos tu és em cada gesto todos os teus gestos e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer sou isto é certo mas sei que tu estás aqui Ruy Belo, Todos os Poemas. Lisboa, Assírio & Alvim, 2000
Tu estás aqui Estás aqui comigo à sombra do sol escrevo e oiço certos ruídos domésticos e a luz chega-me humildemente pela janela e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama que uso para ser também isto este bicho de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço bem entendido o que faço com este braço Estás aqui comigo e à volta são as paredes e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro nome embora no mesmo nome este nome de terra de dor de paredes este nome doméstico Afinal fui isto nada mais do que isto as outras coisas que fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das outras coisas Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa uma coisa para além disto que não isto Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos tu és em cada gesto todos os teus gestos e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas perdoa pagares tão alto preço por estar aqui perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer sou isto é certo mas sei que tu estás aqui Ruy Belo, Todos os Poemas. Lisboa, Assírio & Alvim, 2000
domingo, 29 de janeiro de 2012
sábado, 28 de janeiro de 2012
À janela de João Miguel Fernandes Jorge: "Trago-te ao espaço da janela"
Trago-te ao espaço da janela.
De novo surgiram deste lado da rua.
Em voz baixa disse «uma alucinação». A
única resposta foi entrar em casa
subir ao quarto mudar de roupa
ser jovem com quem soube bem ser jovem
sábio com quem quiseste ser sábio
velho com os velhos.
Trago-te para perto da janela
o rio vê-se daqui.
A cor da terra circula.
«Talvez seja a morte» «não»
«se for a morte o coração baterá mais ou menos forte».
O corpo
não tem grande lugar.
João Miguel Fernandes Jorge,Obra Poética, 3.º Volume. Meridional. Vinte e Nove Poemas. Lisboa, Editorial Presença, 1988.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Les jeux sont faits
Jean-Claude Carrière: Fui falar com Lévi-Strauss por sugestão de Odille Jacob que propunha que fizéssemos um livro de entrevistas. Mas ele recusou amavelmente, dizendo-me: "não quero voltar a dizer o que no passado disse muito melhor." Bela lucidez. Até na antropologia, chega uma altura em que o jogo, o teu jogo, o nosso jogo, chegou ao fim.
Umberto Eco: Sinto-me hoje incapaz de ensinar pelas mesmas razões. A nossa insolente longevidade não deve mascarar o facto de que o mundo do conhecimento está em revolução permanente e que não conseguimos apropriarmos-nos dele, senão por um lapso de tempo necessariamente limitado.
Jean-Claude Carriére, Umberto Eco, N'Espérez pas vous Débarrasser des Livres. Paris, Éditions Grasset & Frasquelle, 2009. P. 46
Umberto Eco: Sinto-me hoje incapaz de ensinar pelas mesmas razões. A nossa insolente longevidade não deve mascarar o facto de que o mundo do conhecimento está em revolução permanente e que não conseguimos apropriarmos-nos dele, senão por um lapso de tempo necessariamente limitado.
Jean-Claude Carriére, Umberto Eco, N'Espérez pas vous Débarrasser des Livres. Paris, Éditions Grasset & Frasquelle, 2009. P. 46
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
domingo, 22 de janeiro de 2012
sábado, 21 de janeiro de 2012
Registo
Sessão de abertura de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura
A todos aqui presentes saúdo e dou as boas vindas, prestando reconhecimento pela participação nesta cerimónia que assinala a abertura oficial de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura.
É também este o momento e o lugar para, em nome da instituição que recebeu o encargo de cumprir esta missão, agradecer solenemente: ao Senhor Presidente da República, pelo apoio e acompanhamento institucional que prestou a este projecto, à Assembleia da República na pessoa da sua Presidente, e a todos quantos nos confiaram esta responsabilidade e nos têm ajudado a concretizá-la: a Comissão Europeia, os Governos de Portugal – os seus mais recentes Primeiros Ministros e, em particular, os responsáveis pelas pastas da Cultura, da Economia, do Desenvolvimento Regional e do Turismo –, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e, muito especialmente, o Município de Guimarães, na pessoa do seu Presidente. Uma palavra de agradecimento é também devida ao Presidente do Conselho Geral da Fundação Cidade de Guimarães, Dr. Jorge Sampaio, e a todos os restantes membros deste órgão de bom conselho.
Mas a palavra mais constante é devida à cidade de Guimarães, a todos os seus cidadãos, às múltiplas instituições e organizações da sua sociedade civil. Dirijo-me, com gratidão e cumplicidade, a esta cidade viva e dinâmica, que soube exigir, discutir, apoiar e enriquecer, com expectativa, emoção e entrega, este grande projecto, tornando-o verdadeiramente o que ele é: seu.
A Capital da Cultura que hoje abre as suas portas realiza-se numa cidade que é portuguesa, europeia e universal. Uma cidade que, sem perda da memória das origens e da sua singularidade patrimonial e histórica, de que muito se orgulha, tem em si os anseios, as perplexidades e as dificuldades, mas também as oportunidades e os exaltantes desafios de todas as cidades destas primeiras décadas do século XXI. Guimarães é uma cidade europeia, equilibrando o peso da história com o desejo de futuro, acolhendo e vendo partir, fazendo e refazendo a sua identidade na relação criativa com o exterior.
Onde está uma cidade europeia está uma cidade com consciência cultural, um difusor de modernidade, um organizador de territórios, um pólo de inovação e de riqueza que se espalha pela rede de que faz parte. É por isso que a Europa tem posto nesta construção uma ênfase especial, e atribuído à agenda urbana uma relevância prioritária.
Sabemos que, seja qual for a perspectiva que pretendamos destacar nessa agenda, a da coesão ou a da sustentabilidade, a da competitividade ou da governação, o desafio da criatividade é decisivo, no seu desdobramento em educação, cultura, artes, arquitectura, ciência, tecnologia, inovação. Sem criatividade e conhecimento, não há hoje nada que se afirme, vença e perdure.
O programa de Guimarães 2012 é fiel a este compromisso, que é também um desígnio. Nessa medida, inscreve nele a cultura e a criatividade, e a relação de ambas com a economia e o desenvolvimento, como fundamentos insubstituíveis na afirmação da Europa e das cidades europeias.
A cidade é, de facto, um dos grandes centros da cultura moderna e pós-moderna. De Baudelaire a Rimbaud, de Cesário Verde a Fernando Pessoa, de Walter Benjamin a Henri Lefebvre, de Sant´Elia a Vieira da Silva, de Fritz Lang a Woody Allen, de Paul Virilio a Siza Vieira, a cidade é um dos temas principais das suas criações e das suas reflexões. O grande poeta português Carlos Oliveira disse: “Cantar é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras”.
O poeta belga Émile Verharen, um dos que melhor interpretou as transformações da cidade industrial, dedicou um dos seus poemas às Ideias sonhadas entre as brumas que se acumulam lá longe, lá no alto, perto dos sóis: “Sobre a Cidade, cujos desejos resplandecem/Reinam, sem que as vejamos,/Apesar de evidentes, as Ideias“.
De facto, as cidades são feitas tanto de pedras como de ideias. São as ideias que as desenham, que as configuram, que as transformam, que lhes dão vida. São ainda as ideias que exprimem a energia dos cidadãos e estruturam a vida colectiva. São elas o que move e o que fica nas cidades.
De que ideias se faz então Guimarães 2012?
Desde a Grécia antiga o sabemos, a cidade é a vitalidade dos seus cidadãos e o património comum que sabe gerar e acrescentar ao longo de gerações. Esse património comum, mais do que um resultado, é um processo. Há, nele, construção e destruição, há, no seu movimento, inovação, dinamismo e surpresa.
Por isso dizemos: o que conta acima de tudo no programa cultural e artístico que, a partir de hoje, se abre à participação de todos os europeus, é o processo, é a descoberta, são as novas criações e as novas obras, que assim se acrescentam e acrescentam o património comum da cidade e das cidades.
Um processo é experimentação, invenção, aprendizagem. No programa de Guimarães 2012 , o lugar da formação e da educação é central. Aprender fazendo exige, mais do que meios e técnicas, um ambiente favorável à associação dos públicos à criação, à inclusão dos destinatários no espaço de produção artística. A criação desse ambiente foi o nosso principal objectivo e será uma das medidas do nosso êxito.
O nosso programa entende a inovação como um processo interactivo, feito de cooperação, colaboração e diálogo. Todos os espaços de criação, quer os de que já dispunha a cidade, quer aqueles que a Capital Europeia lhes somou, serão geridos segundo esse modelo de participação. Nesse processo encontrar-se-ão artistas e públicos, profissionais e amadores, criadores vindos do exterior e criadores fixados em Guimarães e na região, grandes instituições, como a Universidade, e pequenas associações voluntárias, projectos desenvolvidos em espaço público e projectos desenvolvidos em laboratório. Cruzar-se-ão investigadores, artistas e empresários; curadores, coleccionadores e autores, visitantes e residentes; aqui, encontrar-se-ão, em síntese, os distintos estratos de que se compõe uma cidade aberta ao País, à Europa e ao Mundo.
Gostaria por tudo isto de agradecer às equipas de Guimarães 2012 o empenho, a generosidade e o talento que puseram na preparação deste projecto: dos administradores aos directores, dos programadores aos produtores, dos colaboradores aos voluntários.
Permitam-me que demonstre esta nossa concepção com o exemplo da orquestra que está atrás de mim.
Há um ano atrás, o Juhana Inkinen, finlandês, a Elisabet Franch Moncunil, espanhola, a Erica Versace, italiana, o Virgílio Oliveira não se conheciam. Desde 1 de Dezembro que tocam juntos.
O Juhana tem 26 anos e estudou violino na Academia Sibelius de Helsínquia. A Bet, tem 28, nasceu em Barcelona e aperfeiçoou flauta na Academia do Scala de Milão. O Virgílio é de Guimarães, tem 21 anos e aprendeu fagote na Escola Superior de Música do Porto. A Erica, com os seus 25 anos, nasceu na Sicília e estudou harpa em Bruxelas.
A cidade já se habituou a vê-los passar com os seus instrumentos, e conhece algumas das suas histórias. A da Erica que partiu um dedo na noite agitada da Festa Nicolina, ou a do Jhuana que tenciona casar em Guimarães.
Para todos estes jovens – 9 espanhóis, 5 italianos, 3 britânicos, 2 finlandeses, 2 polacos, 1 dinamarquês, 1 sueco e 30 portugueses – tocar em Guimarães representa um desafio importante nas suas carreiras e um acontecimento inesquecível das suas vidas. Num mundo competitivo, difícil e exigente, Guimarães conseguiu ser um centro que atrai talento – e talento jovem - e lhe transmite energia e futuro.
É sob este símbolo que gostaria de situar Guimarães Capital Europeia da Cultura e esta inauguração. Neste tempo de inquietação, nunca devemos esquecer que, mesmo nos momentos em que tudo parecia perdido, foi nas grandes obras da cultura e da criação que a Europa encontrou ânimo, força e inspiração para se reerguer e se reinventar. De Guimarães, terra de origens e de renovações, contra a negação, o cepticismo e a desistência, é a esperança no nosso futuro que queremos afirmar e tornar visível.
João Serra
Presidente da Fundação Cidade de Guimarães
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Ma ville
Ma ville, c'est bon ne plus te voir en rêve Ma ville, regarde le soleil se lève Je te salue toi mon ami, ma soeur belle endormie mais qui attend son heure Ma ville, écoute au creux de tes ruelles Ma ville la voix de tes enfants t'appelle réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna Ma ville que c'est un joli jour pour naitre Ma ville mets du muguet à tes fenêtres dore le pain Pâques est enfin venue tire le vin qui fait chanter tes rues Ma ville écoute au creux de tes ruelles ma ville la voix de tes enfants t'appelle réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna réveille-toi réveille-toi Athèna Athèna
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Hannah Arendt
Sempre que o passado é transmitido como tradição, faz autoridade. Sempre que a autoridade se apresenta historicamente, torna-se tradição.
Hannah Arendt, Walter Benjamin (1892-1940. Paris, Éditions Allia, 2010. P. 84.
Hannah Arendt, Walter Benjamin (1892-1940. Paris, Éditions Allia, 2010. P. 84.
domingo, 15 de janeiro de 2012
sábado, 14 de janeiro de 2012
Berço comum
Álvaro Lins citado ontem ao jantar por Arnaldo Saraiva:
"Se Guimarães é o berço de Portugal, então é também o do Brasil".
"Se Guimarães é o berço de Portugal, então é também o do Brasil".
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
Surfista social
Aquele que está sempre lá onde a porosidade dos meios jornalísticos, culturais e políticos gera mais oportunidades de ver e ser visto, de oferecer e receber uma espécie de abraço que pode também ser uma esfregadela. Haverá sempre uma onda que se oferece à sua prancha elegante e encerada.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Distâncias
Há muito que tinha pressentido a diferença. Hoje confirmei-a. A distância Lisboa - Guimarães é muito superior à de Guimarães - Lisboa.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Registo
As cidades de que se faz Guimarães 2012
Cidade antiga, com um passado que a inscreve como pólo catalisador
de um território que adquiriu identidade histórica nos períodos proto-medieval
e medieval, Guimarães tem sido , no período contemporâneo, protagonista de
processos significativos de modernização económica e de projecção cultural.
A arqueologia assinalou, no espaço geográfico de Guimarães,
testemunhos eloquentes, como os presentes na Citânia de Briteiros, de uma
cultura comum ao Noroeste peninsular na Idade do Ferro. A história reconheceu,
tanto ao cenário como aos actores vimaranenses, um nexo essencial com os
acontecimentos que estão na origem da autonomia e independência de Portugal.
As dinâmicas económicas e sociais, somadas às político-militares,
religiosas e simbólicas, traduziram-se, nos tempos pós-medievais, em ampliação
da área de implantação e de influência do antigo burgo. Em meados do século
XIX, Guimarães viu ser-lhe reconhecido formalmente o estatuto de cidade,
beneficiando paralelamente da melhoria dos sistemas de circulação e transportes
e dos equipamentos de formação escolar e profissional. Neste contexto, a nova
cidade adquiriu uma feição industrial, que marcaria profundamente a sua
história nos últimos 150 anos. Dos couros ao têxtil, essa é uma história
pautada por transformações da paisagem e da tecnologia, por alterações na
distribuição da população, por crises e superações, por mudanças profundas na
estrutura urbana e no território circundante que encabeça.
Este processo foi acompanhado – e esse será porventura um dos
traços singulares da história da cidade de Guimarães – por uma reflexão
aprofundada por parte das elites intelectuais e politicas acerca da história e
do destino do seu próprio espaço cultural identitário. É assim que um lote
brilhante de vimaranenses percorre caminhos pioneiros nos estudos históricos e
humanísticos, na criação literária, científica e artística que marcou várias
gerações da cultura portuguesa desde finais do século XIX. Martins Sarmento,
Alberto Sampaio, Raul Brandão, Abel Salazar, Joaquim Novais Teixeira e Fernando
Távora e são alguns desses nomes.
Enquanto, na transição do século XIX para o século XX, em Guimarães
se assiste a uma profícua investigação e a um riquíssimo debate sobre as marcas
identitárias do território e o seu destino regional, um século mais tarde a
cidade é alvo de um notável investimento na revitalização do seu centro
histórico e na afirmação da componente cultural como um factor decisivo de
capacitação das pessoas e do espaço envolvente. Trata-se de uma resposta
consolidada ao longo de várias décadas e em diversos planos. No plano
urbanístico a prioridade foi dirigida para a revitalização do tecido urbano nas
áreas habitadas do centro, regeneração do espaço público, recuperação do
património histórico edificado. No plano cultural, a atenção foi voltada para a
renovação dos equipamentos culturais e para a formação de uma sólida estrutura
de programação contemporânea de alto nível de exigência.
A política de reabilitação do centro histórico, assente em
princípios de salvaguarda da morfologia medieval e de recuperação e manutenção
de técnicas construtivas tradicionais ligadas à arquitectura “chã”
predominante, foi reconhecida nacional e internacionalmente, culminando com a
classificação do centro histórico de Guimarães como Património da Humanidade
pela UNESCO, em 2001.
A cidade de Guimarães beneficiou de um ambiente de sociabilidade e
criatividade associado às artes e à cultura, quer na sua dimensão mais popular,
relacionada com valores, tradições e costumes ancestrais, que atribuem às suas
festividades (as Gualterianas e as Nicolinas, para referir as mais conhecidas),
à gastronomia, às artes e ofícios tradicionais (o bordado, o linho, o ferro
forjado, a olaria, etc.) um lugar central na vida da cidade, quer numa dimensão
mais erudita, destacando-se, a este propósito, o Círculo de Arte e Recreio, a
Academia de Música Valentim Moreira de Sá, a Associação Cultural Convívio ou o
Cineclube de Guimarães, entre outros. A Fundação Martins Sarmento, o Museu de
Alberto Sampaio, o Paço dos Duques têm contribuído, ao longo deste período,
para uma estruturação e qualificação das dinâmicas culturais da cidade, assumindo
um papel catalisador de outras instituições associativas de base voluntária.
A autarquia desempenhou um papel decisivo. Nos últimos anos a sua
intervenção abrangeu tanto a dotação em equipamentos da cidade e do concelho,
com novas valências destinadas à promoção e difusão das artes e da cultura (além
da Biblioteca Municipal Raul Brandão, Centro Cultural Vila Flor, Pavilhão
Multiusos, Complexo Multifuncional de Couros, Arquivo Municipal Alfredo
Pimenta, para falar apenas da cidade), como a vertente do apoio à sustentação
de estruturas de criação e produção artística, como o caso da régie cooperativa
“A Oficina”. Graças a esta, responsável pela programação e produção no Centro
Cultural Vila Flor, Guimarães consolidou uma posição de referência em diversas
áreas artísticas, que lhe granjearam notoriedade regional, nacional e até
internacional. Em parceria com associações locais, a autarquia promoveu, por
exemplo festivais como: Guimarães
Jazz (desde 1992); Festivais Gil Vicente (intermitentemente, desde os anos 60
e, anualmente, a partir da década de 90), orientado para a divulgação da
produção teatral contemporânea de âmbito nacional; Encontros Internacionais de
Música (uma evolução dos Encontros da Primavera, realizados desde a década de
80), oferecendo a oportunidade a jovens músicos de aperfeiçoamento, de contacto
com artistas de renome internacional e de apresentação em público.
Este movimento segue em paralelo com um complexo processo de
mudança no seu tecido económico e social. A modernização tecnológica das
últimas décadas revelou não apenas a pujança de um sector exportador,
nomeadamente no têxtil, mas sobretudo a capacidade de inscrever no território,
com uma visão integrada no processo de mundialização, o espírito empreendedor e
a vontade de afirmação que é um dos traços identificadores de Guimarães e dos
vimaranenses.
A presença da Universidade, com o ensino das diversas disciplinas
das engenharias e da arquitectura polarizadas em Guimarães, ajudou a
reconfigurar esta tendência, somando informação e conhecimento à propensão
inovadora revelada pelo sector industrial e despertando novas áreas de
investigação e de criação de produtos.
A crise actual afecta, tanto na componente financeira, como na de
retracção dos mercados, a indústria da região, mas não as características das
apostas e do élan empreendedor que fez o sucesso vimaranense no passado. Se os
mercados hoje apostam em encomendas de menor dimensão e em produtos de
conceito, incorporando valor tanto pelo lado da tecnologia como do design,
voltamos a contar com as empresas de Guimarães, com os empreendedores de
Guimarães.
A Capital Europeia da Cultura representa para esta cidade e este
território uma oportunidade rara: fazer coincidir os processos culturais,
urbanos e económicos num mesmo impulso regenerador e inovador. Mais do que a
inovação tecnológica, o que este momento clama é pela tradução em inovação na
gestão das empresas, no social, no político. É este o grande desafio de
Guimarães 2012, ser um meeting point:
da inovação e do património, da
identidade e da transformação, do local e do global, da criação e da
aprendizagem.
Uma coincidência não é uma amálgama. 2012 permitirá justapor, sem
ocultar, as várias cidades de que se faz Guimarães.
A cidade histórica e patrimonial, na qual se conjugam os vestígios
do passado e as conceitos de patrimonialização das sucessivas épocas, desde as
perspectivas da cidade histórica como puro cenário, à cidade histórica como
memoria alusiva e interactiva. A cidade que fez do seu centro histórico em vez
de um museu um espaço público vivo, celebratório, convivial, surpreendente. A
cidade onde se investiga, se reflecte, se debate o papel das cidades e dos
cidadãos e se ensaiam novos modelos de projecção do património comum.
A cidade de artes, onde se combinam espaços tradicionais de
intervenção artística com novos espaços de criação e exibição artística,
convencionais e museológicos, uns,
reconvertidos, efémeros, ou mesmo improvisados outros. Cidade que
convida à reflexão sobre públicos e audiências, sobre colecções e curadoria,
sobre criação e espaço público, sobre contextos e novas linguagens. Cidade que
é palco e residência, que se oferece a criadores de todo o mundo como tema e
como tela, como motivo e como destino. Cidade dos bombos nicolinos e dos La
Fura Dels Baús, de José de Guimarães, de Boltanski e Pistoletto. Cidade onde se
interpela a memória e jovens talentos da realização cinematográfica se cruzam
com Godard, Greenaway, Oliveira ou Aki Kaurismaki.
Cidade de música, onde a musica invade não apenas as salas de
concerto, mas também as praças e as casas, os grandes espaços públicos e os
pequenos salões, os jardins, as igrejas e os hospitais. Música histórica e de
solistas clássicos, música de modernos, grupos actuais, cantores populares.
Música composta e tocada por músicos jovens, profissionais, de toda a Europa, e
por músicos não profissionais, de diferentes gerações.
Cidade da indústria, da tecnologia e do design, onde a
Universidade faz parte do circulo virtuoso da criação de valor, onde cutelaria,
moda, calçado, artesanato procuram a inovação, o mercado exigente e o emprego
qualificado.
Cidade do futuro, onde se desenvolvem novas agendas, ou seja novos
modos de conceber a agenda da competitividade e do desenvolvimento. A agenda da
regeneração urbana que enquadra a requalificação física do espaço urbano num
conceito de cidade como paisagem criativa. A agenda da regeneração social que
sublinha o papel das organizações e desafia a participação dos cidadãos, que
estimula o talento e acolhe a tolerância. A agenda da regeneração económica que
aposta no renascimento das cidades, no turismo cultural, na economia criativa.
A agenda da cidade educativa que reforça competências formais e informais,
tanto na escola como em sectores desmunidos culturalmente, tanto nos níveis
básico como superiores do ensino.
Estas cidades são uma cidade concreta, com os seu espírito de
lugar e o seu património comum, Guimarães. Mas são também todas as cidades,
construtores da vida colectiva e da cidadania, da Europa como destino generoso
e culturalmente diverso.
Uma Capital Europeia
da Cultura, como a de Guimarães 2012, não vale pelo seu resultado imediato, mas
pelo processo em que se inscreve. Esse processo tem um antes – sem o qual o
evento não passaria de mais um festival – e terá um depois. É nesse
prolongamento (para lá de 2012) que reside o sentido mais forte do projecto.
João Serra
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blèsse
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
A Pilion, parmi les oliviers,
la tunique du centaure
Glissant parmi les feuilles
a entouré mon corps
Et la mer me suivait pendant que je marchais
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
A Santorin en frôlant
les îles englouties
En écoutant jouer une flû te parmi les pierres ponces
Ma main fut clouée à la crête d'une vague
Par une flêche subittement jaillie
Des confins d'une jeunesse disparue
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
A Mycènes,
j'ai soulevé les grandes pierres
et les trésors des Atrides
J'ai dormi à leur côtés à l'hôtel de "La Belle Hélène"
Ils ne disparurent qu'à l'aube lorsque chanta Cassandre
Un coq suspendu à sa gorge noire
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
A Spetsai, à Poros et à Myconos
les Barcaroles m'ont soulevé le coeur
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
Que veulent donc ceux qui se croient à Athene
ou au Pyrée
l'un vient de Salamine
et demande à l'autre
si il "ne viendrait pas de la place Omonia"
"non, je viens de la place Syndagma"
repond il satisfait
"j'ai rencontré Yannis
et il m'a payé une glace"
Pendant ce temps la Grèce voyage
et nous n'en savons rien
nous ne savons pas que, tous, nous sommes marins sans emploi
et nous ne savons pas combien le port est amer
quand tous les bateaux sont partis
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
Drôles de gens
ils se croient en Attique
et ne sont nulle part
ils achètent des dragées pour ce marier
et il se font photograhpier
l'homme que j'ai vu aujourd'hui
assis devant un fond de pigeons et de fleurs
laissait la main du vieux photographe,
lui lisser les rides creusées
de son visage
par les oiseaux du ciel
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
Pendant ce temps, la Grèce voyage,
voyage toujours
Et si la mer Egée se fleurit de cadavres
ce sont les corps de ceux qui voulurent rattrapper à la nage
le grand navire
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
Les Pirée s'obscurcit
les bateaux sifflent, ils sifflent sans arrêt
mais sur le quai nul cabestan ne bouge
Nulle chaine mouillée n'a scintillé dans l'ultime éclat
du soleil qui décline
Où que me porte mon voyage, la Grèce me blesse
Rideaux de montagnes, archipels,
granites dénudés
le bateau qui s'avance s'apelle
Agonie ....
Georges Séféris
domingo, 8 de janeiro de 2012
À janela de Aquilino Ribeiro
A varanda para D. Henriqueta, não obstante a aversão que votava ao
mundo, constituía uma poltrona no vasto salão que era a vizinhança
bisbilhotando sobre a rua, de janela para janela, de sacada para sacada. A rua,
que corria em baixo, não era rua; o hábito atupira-a, convertendo-a numa
espécie de alcatifa, destas alcatifas preciosas que estão nas salas apenas para
vista e seria malcriadez trilhar. Achei esta interpretação para a rua, e a inocênciadas velhas donas de Almacave comoveu-me. E devia ser assim, porque a vizinhança sentia-se cabalmente em assembleia, e tanto mais deleitosa que não exigia chinó às velhas, nem toucado trabalhoso às donzelas, nem charão com chá e bolos, o que traz sempre a desordem na família de província.
Nisto, a pragmática da boa gente era simples corno os cordéis do palco antigo. Uma a assomar à janela, tossindo em falso, ou regateando, com artificiosa acrimónia, o preço da molhada ao homem da carqueja, e logo as outras a acorrer. Baixavam as cores ternas da tarde e, entretanto, a cidade e o mundo ali decorriam, no deslize manso e real das figuras que ornam o vero mapa de Marco Polo.
Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, 1918.
Nisto, a pragmática da boa gente era simples corno os cordéis do palco antigo. Uma a assomar à janela, tossindo em falso, ou regateando, com artificiosa acrimónia, o preço da molhada ao homem da carqueja, e logo as outras a acorrer. Baixavam as cores ternas da tarde e, entretanto, a cidade e o mundo ali decorriam, no deslize manso e real das figuras que ornam o vero mapa de Marco Polo.
Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, 1918.
sábado, 7 de janeiro de 2012
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Faz ou desfaz
Uma viagem dispensa justificações. Depressa provará que se basta a si própria. Tencionamos fazer uma viagem, mas será a viagem que nos faz, ou desfaz.
Nicolas Bouvier, L' Usage du Monde. Paris, Éditions Payot et Rivages, 2001 [1963], p. 12.
Nicolas Bouvier, L' Usage du Monde. Paris, Éditions Payot et Rivages, 2001 [1963], p. 12.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
Posso ir e viver ou ficar e morrer
Julieta
Você já tem que ir? O dia ainda demora. Não foi a cotovia, foi o rouxinol que perfurou o seu ouvido temeroso. Ele costuma cantar na romãzeira: foi ele que cantou, foi sim, amor.
Romeu
É a cotovia que anuncia o dia, não é o rouxinol. Estrias invejosas bordejam as nuvens do nascente. Foram-se as tochas da noite; o dia alegre já espanta a neblina do alto da colina. Posso ir e viver – ou ficar e morrer. Julieta
Aquela luz ainda não é o aviso. Acho que é o sol que manda um meteoro pra clarear seus passos para Mântua. Fique um pouquinho mais: partir não é preciso.
William Shakespeare, Romeu e Julieta (Ato 3, Cena 5)
Você já tem que ir? O dia ainda demora. Não foi a cotovia, foi o rouxinol que perfurou o seu ouvido temeroso. Ele costuma cantar na romãzeira: foi ele que cantou, foi sim, amor.
Romeu
É a cotovia que anuncia o dia, não é o rouxinol. Estrias invejosas bordejam as nuvens do nascente. Foram-se as tochas da noite; o dia alegre já espanta a neblina do alto da colina. Posso ir e viver – ou ficar e morrer. Julieta
Aquela luz ainda não é o aviso. Acho que é o sol que manda um meteoro pra clarear seus passos para Mântua. Fique um pouquinho mais: partir não é preciso.
William Shakespeare, Romeu e Julieta (Ato 3, Cena 5)
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
À janela de António Lobo Antunes
E esta memória remota trouxe-lhe de súbito ao nariz o aroma de bosta de vaca dos derradeiros meses, desde que a telefonia anunciou a independência de Angola decretada por Sua Majestade, no rescaldo de um motim, durante as cortes de Lixboa, o odor do suor, da diarreia, do medo, quando colávamos em pânico os armários aos caixilhos porque daqui a nada uma coronha desventra o aparador, daqui a nada uma sapatilha esmaga o tapete a rir-se, daqui a nada o MPLA principia a disparar ao acaso e as nucas estoiram como figos numa pasta de carne branca e de grainhas vermelhas, o que julgaria o Infante, se vivo fora, lá na escola de Sagres, desdobrando mapas e consultando estrelas frente às janelas do mar, enquanto os seus capitães perseguiam dinamarquesas nas praias de Albufeira e Gil Eanes se apresentava em Lagos, pingando como um noivo exausto, com um ramo de florinhas murchas na mão.
António Lobo Antunes, As Naus, 1988.
António Lobo Antunes, As Naus, 1988.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
domingo, 1 de janeiro de 2012
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