Meu Ibis Chamado Ophélia:
Pasma, ente pequeno e péssimo! aqui te estou escrevendo, contra meu hábito, uso e costume! Parece impossível — mas não há dúvida. A pena corre sobre o papel, tem tinta, e por isso produz letras. Essas letras formam palavras... mas (diga-se a verdade) essas palavras não têm um sentido por aí além.
Ibis do Ibis: quero jinhos, quero muitos jinhos. Tenho fome de jinhos, tenho sede de jinhos, tem sono de jinhos. Só jinhos é que não tenho.
Amanhã, à 1 hora, passo pela tua casa, como está combinado. Creio que me conhecerás; mas é possível que eu passe disfarçado de vendedor de cautelas, ou de mão de vaca, ou de carroça por concertar. Não sei ainda. Se tiver juízo, irei por meu pé. Se não tiver juízo, irei por meu juízo.
Sabes que estou quase pensando em que terei, afinal, tempo de te ir esperar? Se verificar que sim, levo eu mesmo esta carta, e entrego à Ibis do Ibis da Ibis do Ibis.
O mais natural, porém, é que (o contrário do que está acima).
Nesse caso esta carta irá ter a casa da tua irmã. Mandá-la-ei por alguém, pois é tarde de mais para a deitar no correio.
Tu, hoje e amanhã, se tiveres ocasião e te quiseres lembrar de um certo Ibis que gosta um tanto ou quanto de ti, faz o possível por te lembrar. Sim, Nininha do Nininho do Bebé do Ibis da Vespa do
Fernando
Jinhos x um milhão
Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo e estabelecimento do texto de Maria da Graça Queiroz.) Lisboa: Ática, 1978 (3ª ed. 1994). p - II.
2 comentários:
"Se tiver juízo, irei por meu pé. Se não tiver juízo, irei por meu juízo."
Desde que fosse... :)
Às vezes penso que Fernando Pessoa não gostava nem um bocadinho de Ophélia Queiroz.
Vingava-se dela que é outra forma de gostar de alguém...
- Isabel X -
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